Effies
Assim como Effie Gray, primeira mulher a requerer o divorcio na
Inglaterra, eu ainda tenho sentimentos desta época remota, mas que ainda
resiste e existe no peito fundo. Sentimento esse de culpa pelo prazer, pelo
querer. Culpa por não cumprir o dever de ser perfeita para o homem que se julga
perfeito. Hoje, Effie Gray me mostrou o poder da decisão, após um longo período
de sofrimento e solidão. Casada e sozinha com um homem que não a olhava. Muito
menos poderia dizer que a amava. Effie aguentou anos. Intocada, envelhecida,
uma jovem que pedia sua alegria pelo capricho de um homem.
Me pergunto por que isso não me soa estranho? Por que essa atitude,
sentimento e sensação são tão atuais, mas ao mesmo tempo, em tempos amores
líquidos, ainda continuam?
A dicotomia do não sinto mas finjo que sinto e do sinto mas finjo que
nada sinto.
Penso que nessas épocas de poucos direitos, pouca comunicação havia
muita dor e sofrimento,mas muito muito sentir e viver. A vida era curta porem
intensa. Talvez seja uma visão romantica, uma visão talvez meia Austin do
século 18 e seus romances imortais.
Mas onde está o nosso sentir? Por que quando alguém diz: Sinto carinho
por ti, nós levantamos os braços e pedimos: por favor, pode levar tudo só não
leve o meu coração!
Nos desnudamos em frente a uma tela, mas frente aos olhos nos combrimos
como uma criança que foge do monstro do ármario. Qual a lógica da liberdade, do
poder ser se não somos, não sentimos, não nos permitimos?
Qual o sentindo de sermos livres, das conquistas, se as amarras ainda
estão no nosso interior?
A dor da insustentável leveza do ser, essa que sentimos quando podemos
fazer qualquer coisa que quisermos e que nos deixa imóveis, sem saber como
agir, pensar, sentir visto que não suportamos tal leveza de não haver direções.
Qual o sentido de buscar o amor, quere-lo se nem ao menos nos deixamos
sentir o doce gosto da amizade, amor primeiro?
Qual o sentido de fugir do querer? Qua o sentido de buscar amarras
para o ser?
Qua o sentido?
Em tempos líquidos, ser concreto se torna cada vez mais doloroso,
raro, confuso. Se confude com ilusão,expectativa, sonho. Não se sabe mais se
sente o que deveras sentes, ou se apenas imagina, sonha, delira sobre um
sentimento que não existe. E se isso é verdade, como saber se sonho ou
realidade? Como saber o que é sentir, se não provamos esse gosto vezes
suficientes para discernir o real?
E assim, o vazio por vezes mil preenche parte do peito de nós, filhas
do romance, a espera de sentir algo que não sabemos o que é por não acreditar,
não confiar, ou talvez pelo engano de querer viver algo que ainda não
aconteceu. O pensamento num futuro que não existe, nunca existiu, nos deixa embriagadas, perdidas, e cegas para o momento. Presente. O hoje. O agora. Neste
instante, o que você sente? Você se permite sentir?
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